– ARCAS DA BIODIVERSIDADE –
O PAPEL DAS COLEÇÕES BIOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Coleções biológicas são conjuntos de organismos coletados geralmente em ambientes naturais e preparados especialmente para que permaneçam em condições de estudos por centenas de anos. Elas reúnem informações sobre a biodiversidade e armazenam elementos para comprovação de pesquisa pregressa. Embora pouco associadas aos conceitos de biodiversidade, conservação e sustentatibilidade, coleções biológicas possuem potencial para subsidiar tomadas de decisões por parte do poder público em questões de ordenamento territorial e atitudes sustentáveis. Elementos-chaves, como endemismos, extinções e definições de áreas prioritárias para conservação, podem estar baseados nos registros adequados da biodiversidade de uma região em coleções. Em áreas alteradas ambientalmente, a única forma de preservação das espécies é a conservação de material em coleções. Além disso, coleções são retratos pretéritos a impactos ambientais de uma região e constituem na melhor fonte de dados que possa contribuir para reconstruir um sistema após intervenções humanas.
O histórico de exploração antrópica no estado de Rondônia remonta o final do século XIX, desde a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, passando pelo ciclo da borracha, a construção da BR 364, o intenso desmatamento paralelo ao fluxo migratório sentido sul-norte do Brasil nos anos de 1970-80 e a forte pressão pela atividade garimpeira no rio Madeira. A ameaça à biodiversidade da região parece culminar agora com a proposta do complexo hidrelétrico do rio Madeira, pelo qual já duas usinas encontram em estado avançado de construção. Diante disto, faz-se urgente registrar adequadamente a biodiversidade desta região, que permanece parcialmente desconhecida para a ciência. E neste contexto, a UNIR possui papel fundamental, constituindo referência importante da biodiversidade da região, representada por suas coleções científicas ainda incipientes e emergentes, cujas atividades se intensificaram em meados dos anos 2000.
Recentemente, as coleções biológicas da UNIR foram reconhecidas e institucionalizadas internamente, conforme a Portaria 556/GR publicada e assinada pela reitoria da universidade. Neste documento, curadores, pessoas responsáveis pelo gerenciamento das coleções, foram nomeados para cada coleção. O documento reconhece um sistema de coleções constituída por seis acervos, sendo um botânico (plantas) e cinco zoológicos (insetos, peixes, répteis, aves e mamíferos).
Em termos de biodiversidade, as coleções da UNIR constituem um dos mais importantes acervos como referência a Rondônia. A coleção de peixes, por exemplo, representa uma das mais importantes e completas coleções referentes ao rio Madeira, com registros de mais de 600 espécies de peixes, o maior inventário já realizado no mundo. Essa diversidade representa pelo menos 15% de toda a fauna de peixes conhecida da América do Sul. O espaço insuficiente, 36m2 que acomodam 200.000 exemplares de peixes, é um dos principais entraves para o avanço e crescimento da coleção de peixes e também para as demais coleções. A coleção de insetos, por exemplo, um dos grupos mais diversos do mundo, está alocada em uma área de menos de 6 m2, na qual estão mais de 8.000 exemplares e não menos que 700 espécies. A coleção de mamíferos compartilha seu espaço ainda com as coleções de répteis e aves, e está provida de 183 exemplares e de espécies raras de macacos.
Coleções zoológicas da Universidade Federal de Rondônia. Acima e à esquerda, a coleção de peixes; à direita, a coleção de répteis. Abaixo, a coleção de crânio de mamíferos.
Essa biodiversidade mantida em verdadeiras arcas, que são as coleções, tem atraído o interesse de muitos pesquisadores. Estudantes de pós-graduação e profissionais da área têm utilizado material destas coleções para suas pesquisas. Pesquisadores de instituições renomadas no Brasil, como USP, INPA e UEM, e internacionais, como a Universidade da Flórida Central (UCF, EUA) e Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, França), têm feito visitas periódicas às coleções. Esses dados demonstram o grande valor e representatividade da Universidade num contexto mundial.
Apesar do imenso valor científico e cultural, os problemas envolvendo todas as coleções biológicas da UNIR trazem riscos à manutenção do material e convergem para temas como ausência de espaço e infra-estrutura, ausência de recursos humano e financeiros suficientes e permanentes. A sustentação das coleções atualmente é feita através de recursos muitas vezes escassos oriundos de projetos de pesquisas dos professores da Biologia e, em maior grau, por meio do imenso esforço, tantas vezes pessoal, que os pesquisadores e alunos associados às coleções investem. A implementação de um programa de coleções científicas dentro da instituição, a contratação de corpo técnico permanente e capacitado e a transferência de todo o material biológico para infra-estruturas adequadas, é algo urgente. É a forma mais segura para garantir a qualidade e a manutenção do material biológico.
Mais do que para a Amazônia ou para a Ciência, as coleções biológicas da UNIR compõem um acervo de incalculável valor para a humanidade. A manutenção deste material de forma adequada denotaria respeito à biodiversidade. O histórico de pressão antrópica sobre o estado de Rondônia, e especialmente as obras hidrelétricas atuais, poderão limitar ou acelerar diversos processos ecológicos e evolutivos, como extinções localizadas de muitas espécies. Manter esse material adequadamente em uma coleção é uma atitude prudente e necessária à preservação do acervo natural (biodiversidade) e cultural do país.
No ano em que o planeta comemora a biodiversidade, mais do que nunca os discursos de políticos, empresários, governantes, e instituições, estão recheados de palavras como sustentabilidade, conservação e Amazônia. No entanto, cabe discutir neste contexto o papel de coleções científicas. Deve ser, de fato, lembrado que também podemos “salvar” a biodiversidade essencialmente quando guardamos material biológico morto, testemunho em coleções.
Dra. Carolina R.C.Doria
Curadora da Coleção Ictiológica. Laboratório de Ictiologia e Pesca - Departamento de Biologia/UNIR.
Dr. Jansen Zuanon
Pesquisador do Centro de Pesquisa Biologia Aquática/INPA
Dra. Gislene Torrente-Vilara
Pesquisadora do Laboratório de Ictiologia e Pesca
MSc. Luiz Jardim de Queiroz
Pesquisador do Laboratório de Ictiologia e Pesca